quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

8

Decidi re-começar.
O dia estava recém começando, e eu tinha muita coisa pra organizar na minha vida. Decidi começar pela minha própria casa em si. Meu quarto estava tão desarrumado, como se eu tivesse contratado um profissional para deixá-lo assim. Nunca fui muito organizado, sempre gostei de deixar a vista as coisas que eu estivesse usando no momento, não importa onde fosse. Minha mãe ficava louca com isso.
Não é que o celular toca, e pelo toque vejo que é minha mãe:
_Alô mãe.
_Oi Anjo, como você esta?
_Estou bem, aconteceu alguma coisa?
_Não, é que você não me ligou, fiquei preocupada.
Ela tinha razão, eu costumava ligar uma vez por semana pra casa sempre, e andei tão desnorteado com meu caso com a Domi que acabei esquecendo.
_Está tudo bem mãe, eu só andei meio ocupado com algumas coisas aqui, não se preocupe.
_Filho, você sabe que a mamãe te ama né? – Notei um tom meio triste na voz dela, ela sempre se emocionava nas ligações mesmo.
_Claro mãe, eu também te amo, sabe disso. Olha, assim que der eu dou um pulo ai pra visitar vocês ok?
_Tudo bem Anjo, se cuida, mamãe te ama! Todo mundo aqui em casa ta te mandando um abraço!
_Outro abraço, amo vocês – Desliguei o telefone.
A relação com a minha família sempre foi tranqüila. Minha mãe era médica, ficava mais tempo envolvida nos assuntos do hospital do que em casa. Meu pai um respeitado fazendeiro e dono de muitas terras, conhecia o campo como a palma da mão. Minha irmã tinha treze anos, uma pré-adolescente padrão, com todas as complicações impostas pelas mudanças do corpo.
Não creio que eles sintam tanta falta de mim. Minha mãe se emociona a toa mesmo, eu acho que minha saída lá de casa foi melhor pra todo mundo. Pra mim por conseguir minha independência financeira, para eles por terem menos despesas com uma pessoa a mais na casa.

Fui até a janela, sempre gostei de observar o movimento da rua, por isso escolhei este apartamento pra morar. Olhei a mesma paisagem de sempre com seus elementos diferentes, carros passando, prédios altos no horizonte, pessoas apressadas nas ruas...Mas assim que tirei os olhos, algo me chamou a atenção. Tornei a olhar, mas não encontrei. Havia visto a garota de olhos tristes parada no meio da calçada, olhando diretamente para a minha janela. Deve ter sido impressão minha, afinal não tem nada ali.

O celular toca outra vez...desta vez não reconheci pelo toque – era Aline.
_Alô?
_Oi Arthur! Aqui é a Aline, lembra de mim? – Ela estava com uma voz encabulada, como uma pessoa respondendo uma pergunta de algum programa de rádio sem certeza da resposta.
_Claro que lembro! E ai, sendo atacada por muitos bandidos ainda? He!he!
_Hi! Hi! Hi! Não mais...mas gostaria de saber se podemos nos encontrar...desta vez sem precisar bater em ninguém, que tal?
_Bah! Mas assim vai perder um pouco da graça. Olha...dependendo do dia tudo bem, eu tenho algumas coisas pra organizar. Acredita que to sem calçado algum? Nem aqui em casa tenho.
_Hum...Sério? – Ela silenciou por alguns segundos – Eu acho que posso resolver teu caso, ao menos pra você poder sair pra rua. Me fala onde você mora?
Eu passei o meu endereço para Aline, acho que ela virá aqui, se fosse este o caso, era mais uma razão pra arrumar tudo. Não é sempre que tenho visitas na minha humilde residência. Mas ainda dava olhadas pela janela pra ver se enxergava a tala garota de olhos tristes...Pode ter sido impressão minha apenas...mas foi tão nítido. Pouco mais de duas horas eu recebo batidas na porta. Lá estava Aline. Vestia um vestido rosa, jaqueta jeans azul, botas marrons, seus cabelos loiros estavam soltos, e sua franja não cobria seus olhos castanhos que miravam em mim e brilhavam junto com seu sorriso. Quando abri a porta, ela me mostrou um par de tênis velhos, daqueles que já foram brancos e hoje são cinza-grafite, com a sola da frente descolada e um buraco no calcanhar.
_Não é grande coisa, mas ao menos podemos sair para comprar um par novo, vamos?
 
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