quinta-feira, 26 de março de 2009

13

Crepúsculo!
O pôr-do-sol no Guaíba é uma das imagens mais belas que já vi em minha vida. È um daqueles fenômenos naturais que você quer guardar em uma caixinha para poder ver sempre que quiser. O chato de coisas como esta, é que lembram momentos de nossas vidas, eu sempre vinha aqui com a Domi quando estávamos juntos, e querendo ou não, sinto um aperto no peito toda vez que vejo algo que remete aquela época.
As horas foram passando rapidamente, e a olhos nus, o sol descia até ser tragado pelas águas, deixando apenas o manto da noite, que naquela noite, não estava estrelada. Fiquei ali sentado, sem vontade de sair, como se não possuísse necessidade alguma em minha vida, como se aquele instante fosse parte do infinito, e pudesse ficar ali como uma estátua. Minha mente estava vazia e em nada pensava, apenas a sensação de serenidade e tranqüilidade se espalhava por todo o meu corpo – talvez tenha chegado ao nirvana naquele momento. Porém já era noite, e aos poucos minha percepção foi voltando para meu redor. A iluminação estava precária, carros passavam vez ou outra e as poucas pessoas que caminhavam por ali não pareciam ser nada amistosas.
Levantei-me com dificuldade pelo tempo que fiquei ali, meus membros formigavam, olhei para o relógio e já passava das dez da noite. Estranhamente eu não sentia fome nem nenhuma outra vontade do corpo. Não queria ir pra casa, sabia que a mesma solidão de todas as noites me esperava lá, e eu nunca sinto sono antes da meia-noite. Tentei ligar para alguns dos meus amigos, quem sabe poderíamos pensar em algo para nos divertir...mas dos poucos que atenderam, nenhum estava disponível. Pensei em ligar pra Domi, mas achei melhor não. Liguei para Aline, mas o celular dela estava desligado. Fico furioso quando tento ligar para uma pessoa e seu celular não esta ligado na maior parte das vezes, ora! Se possuir um celular, deixe-o sempre ligado e carregado, nunca se sabe quando alguém pode precisar ligar para você!
Esta sucessão de ligações e frustrações acabou me dando fome, decidi me dirigir mais para o centro e comer algum “morte lenta” de esquina – chamamos os cachorros quente de morte lenta pelo conhecido dano que essas coisas causam em nossa saúde, mas cá entre nós, nada melhor que um bom “dog completo” feito numa carrocinha de esquina. Paguei pelo Dog e uma latinha de fanta laranja e sentei-me num banco da praça Bento Gonçalves no centro. Estava saboreando aquela bomba calórica quando percebo que tem algo estranho no ar (e não é a maionese). Noto olhares em minha direção de uns sujeitos mal-encarados... Observando atentamente, percebo que dois deles eu vi na redenção hoje pela tarde... E olhando mais atentamente eu reconheci um deles, ele era um dos marginais que molestavam Aline naquela noite.
Com certeza ele queria se vingar daquela noite. Notei que estava em enrascada, pois ao redor dele já havia mais três e pelo jeito outros mais viriam para a festa. Como se não tivesse notado, acabei meu dog e sai bebendo a lata, com os sentidos todos voltados para o grupo deles, que notando meu movimento começaram a se mover também. Meu coração disparava, nunca fugi de uma briga, mas sabia que em maior quantidade eles poderiam acabar comigo facilmente, isso sem falar que com certeza os covardes deviam estar armados. Sem aumentar o passo, decidi que iria para um local com maior movimento, na esperança de ver algum brigadiano – Engraçado como sempre tem um policial quando nada esta acontecendo, mas quando mais precisamos, eles se desfazem no ar.
Dei uma ligeira apressada no passo, e percebi que eles iam me acompanhando. Tomei um caminho com muitas pessoas na rua. Nisso, inevitavelmente eles começam a gritar:
_Ta com medinho herói? Lembra de mim?
Eu percebi que já não adiantava mais tentar fugir, seja lá o que iria acontecer, eu teria de encarar e sofrer as conseqüências. Parei, fiquei uns 3 segundos olhando pro chão, me virei e disse.
_Acho que sim, mas da última vez eu tava bêbado e você parecia ser mais bonito.
Notei uma certa irá no olhar dele, os amigos deles queriam avançar para cima de mim, mas com um gesto ele segurou todos – muito mais fortes que ele por sinal. Ele se pos a rir e apontou para mim.
_Você tem coragem herói, devo confessar que admiro isso.
Tentei visualizar a situação. Estávamos próximos a ponte do Guaíba, perto da estrada com carros passando, as pessoas estavam com pressa e nem iriam ligar pra um espancamento. Eles estavam a cerca de uns cinco metros de mim, eu sabia que se tentasse correr preá onde quer q fosse eles iriam me alcançar rapidamente. O negócio era tentar ir levando e improvisando conforme o decorrer da situação.
_Lembra daquele meu amigo que você bateu com o cano – disse ele com uma cara de revolta, franzindo sua testa enorme e seu bigode fininho - , eu levei ele para o hospital, mas ele está em coma agora, e a culpa é sua!
_Minha? Desculpe amigo, mas vocês não podem sair estuprando garotas por ai e achar que nada vai acontecer.
Ele começou olhou para os lados, sem crer que eu estava falando aquilo, então disse:
_Espero que tenha comido aquela vaca da Aline, pois agora você não vai comer mais ninguém.
Peraí! Ele conhecia a Aline? Se ele sabe o nome dela, é porque ela não era uma vítima ocasional aquele dia... Bem, agora não era hora pra me preocupar com ela, e sim comigo mesmo.
_E você acha que me matando vai conseguir que seu amigo volte do coma?
_Quem disse que eu quero te matar? Galera, eu falei em algum momento que iria matar ele – os outros disseram não com ironia nas faces - .Eu acho que morte é algo chato, gosto de sofrimento sabe? Eu quero deixar você em coma sofrendo como meu amigo esta agora, infelizmente você pode morrer no processo...Mas é um risco que eu quero correr. He! He! He!
Ele fez um sinal, e eles começaram a rir e andar na minha direção...
_Caso você morra – disse ele – quero que lembre do meu nome seu desgraçado. Fala pro diabo que quem te matou foi o Jacaré.
Fui recuando, pensando em talvez correr entre os carros mas era arriscado, via apenas as luzes cruzando em alta velocidade na pista. Eu seria atropelado rapidamente, mas não conseguia pensar em nada melhor que isso. Notei que a gangue começou a tirar pedaços de pau e facas para acabarem comigo. De fato, estava fadado a um triste fim.
Comecei a dar passos perdidos de costas... numa situação destas se sabe que o fim é evidente, a cada segundo eles iam chegando mais perto, e aumentado sua velocidade. Quando era quase inevitável o primeiro golpe, um carro surgiu rapidamente do meio dos outros na rua, acertou dois dos malandros que caíram no chão. Separando eles de mim, o carro abre a porta para meu lado e um sujeito baixinho de cabelos grisalhos nas laterais grita:
_ENTRA LOGO NO CARRO!
Eu nem pensei duas vezes, me atirei no carro daquele cara. Não fazia a mínima idéia de quem era, mas naquele momento era minha tábua de salvação. Assim que entrei, os caras da gangue começaram a atirar coisas no carro e gritar coisas que nem fiz questão de prestar a atenção. O carro disparou se enfiando no meio do transito, entramos na ponte do Guaíba, olhei no meu relógio e faltava um minuto para meia-noite. Já comecei a me sentir seguro, apesar da respiração ofegante. Olhei para o senhor no carro e perguntei:
_Por que está fazendo isso? Foi arriscado!
_Eu vi eles avançando pra te atacarem e achei covardia...
BLAM!

Um tiro certeiro atinge a cabaça do velho. Espalhando sangue e miolos pelo volante e toda frente do carro. Eu em primeiro plano fico assustado, e com o carro já desgovernado tento assumir a direção – inutilmente.

Os carros se aglomeram em alta velocidade, causando um grande acidente, fazendo nosso carro ser jogado da ponte do Guaíba.

Dentro d’água, eu tenho dificuldades de sair de dentro do carro, sentindo o ar se esvaindo de meus pulmões dando lugar à água... Eu sentia a vida se esvaindo de meu corpo...

Comecei a ouvir um som, como uma música clássica. Conforme cada um dos meus sentidos me abandonava... Esta música era a única coisa que conseguia sentir...

Um comentário:

Milena Carvalho disse...

Nossa,não sabia que tu escrevia assim...

 
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